Por uma pedagogia da punheta

 

Daniel Capeta foi um renomado educador de bairro. E desse fato provinha a grande eficácia de sua didática. Ele era um construtivista nato, um autodidata. Tudo nele inspirava uma vocação à naturalidade no ensino: a maneira de falar da imaginação,  o jeito visual exemplificá-la.  A forma direta, sem rodeios, de enquadrar os assuntos e estimular a imaginação, ele trazia o gosto pelas práticas que ministrava. O método, de tão crítico às rupturas epistemológicas, poderia mesmo ser visto como uma nova poética do movimento didático, uma fenomenologia do ir e vir contínuo no ensino de atividades que enriqueceram nossas vidas. Daniel foi responsável por uma nova experiência que ficou estruturada em nossas vidas. Aprendemos ali a ceder à luta pelo irresistível: a punheta.

Ao ilustrar ilustrando tornava-se uma figura notável entre as crianças daquele lugar. Naquele mundo devastado por um vazio de atividades propriamente escolares, garotos de 10 e 13 anos pareciam estupefatos com a sensação lúdica da nova cinemática. Para os moleques era poesia aquela ciência de movimentos tão simples. O saber técnico-lúdico teve certamente um futuro durável e glorioso. A importância de Daniel se torna ainda mais clara quando definimos seu grande feito educacional: de  fácil democratização a masturbação gerou prazer curto a uma grande maioria de adolescentes daquela comunidade que, por conta da realidade mesma, tivera, muitas vezes, vida efêmera.

É com muito alegria que reproduz-se aqui um dos seus únicos cursos psicografado pela memória seletiva de um de seus alunos. Transcrito de maneira muito precária, em prosa obtusa, espera-se,  contudo, a mais fiel possível ao empreendimento intelectual dessa relevância.

Título: ensinamento do amor, antes do sexo

Comentário póstumo do professor ou resumo imaginado

Meu nome é Daniel Capeta. Dizem que era assim chamado porque fui um garoto muito danado, carrapeta na rua. Os diálogos que agora vou apresentar, assim como os do Sócrates de Platão, são meus ensinamentos éticos, frutos de uma prática pedagógica específica. Cada diálogo, uma aula. Cada diálogo é um pedaço da vida se fazendo em pensamento. Cada palavra, um recriar do mundo. Porém, diferente do pensador grego, minhas idéias, apesar de bem difundidas, ainda não fazem parte do patrimônio universal da cultura humana. Não de forma pública. Não sei por qual razão, pois morto também estou. Achei que essa seria condição suficiente. Não foi.

Diálogo único

Um pirráia chega para mim e diz:

-Ei Capeta. Beleza véi? A galera me disse véi, tá ligado? Tu se agarante numas coisas do pau aí. Diz pra mim também, véi, como é que faz? Diz aí, porra. Eu tô ligado que tu já comeu uma nega uma vez. Porra. Deve ser do carai, véi. Diz aí como é véi!

Penso que todo educador deve ser ao mesmo tempo pragmático e teórico. Deve respeitar as dúvidas mais do que naturais de seus pupilos e encará-las com naturalidade. Porém, para impor um certo respeito e garantir um certo distânciamento próprio à profissao de educador, ele deve colocar o aprendiz no seu devido lugar. Por isso, respondi:

-Primeiro tu tem que encontrar uma nega, véi, tá ligado. E donzelo que nem tu é, tá ruim. Tem uma buceta, um rabo? Não tem. Então se ligue.

Triste, num primeiro momento sem esperanças, o aprendiz agoniza palavras resignadas:

– Porra véi, me fudi. Vou morrer donzelo, véi. Tem jeito não. Tô fodido, tá ligado? Como vou enrabar alguém, doido? Nenhuma nega me quer, sou muito guri. Não tenho nem bilola ainda, só pitoca.

Ligado na resposta do pirráia  refleti em pedagogo: depois de ter estimulado o desejo mais profundo de aprender,é que é preciso jogar com o lado mais empírico e trazer o maloqueiro para ensinamento no campo do real possível. Rfleti sobre a idade do garoto, convencido de que ele já entendeu quem ele é em relação a mim, sugeri em tom hedonista:

-Ei mermão, vai com calma  aí que pinto novo tem mais é que exercitar a pintoca. Comece batendo uma punheta, pixoto!

Surpreso. O puto (no sentido do português lusitano) perguntou:

– Que porra é isso?

Nesse momento um tom altivo me foi necessário. Disse-me: foda-se a gíria, linguajar tão mais preciso e atento para esse tipo de ensinamento. Versei um epistemologuês na cultura da didática punheteira. Considerei não ser mais preciso voltar à autoridade antiga na qual o professor mantinha o poder pela posição específica de força a qual ocupava. Era preferível se impor pelo nível esmagador de uma retórica bem fundada na argumentação baseada em sólida e indestrutível aliança entre análise racional e conteúdo empírico. Respondi assim, exemplificando. Sou um cientista:

– Prestenção. A coisa não é difícil. Pega a pica com a mão. Fica olhando, porra. Tu né homen não, carai? Assim, ó! Agora cospe na cabeça da pica. Cospe caceta, com gosto porra. Tu tem que deixar a rola ficar molhada até embaixo. E aí tem que ter imaginação. Imaginação é a ideia dentro da cabeça de cima, tá ligado. Pensa na Lidiane. Aquela gostosinha lá da sua rua. Peitinho massa. Buceta capô de fusca. Naquelas pernas roliças dela. Tudo dentro da cabeça de cima, véi. Aquele short cinza apertadinho fazendo aparecer as marcas da calcinha rendada. Aquela bunda redonda, carnuda, musculosa. E continua a balançar. As duas cabeças em ação mermão, prestenção! Assim porra!. Vai balançando mais ligeiro, vai mais rápido, mais rápido. Quanto mais rápido é o vai-e-vem mais a imaginação mistura as partes do corpo dela e o que podemos fazer na cabeça de cima. Chupar, arreganhar cada buraco. E se sentir ressecar, cospe novamente.

Daniel parou. Pensou um pouco no que havia acabado de explicar. Preciso ampliar minha proposta pedagógica aumentando o conteúdo programático do ensinamento, disse ele. Devo sistematizar minhas opiniões sobre a teoria do cuspe num objeto mais complexo. (O pirráia era só atenção).

– Quando for com uma boizinha novinha,  na real, sem ser punheta, não faz a mesma coisa não. É parecido, mas não é igual. Onde eu estava antes? Ah sim, “imaginar”. Sim. Antes disso estava no cuspe. Então. Na hora da cuspida é para cuspir,mas não cospe mais na rola Primeiro tu mostra para ela que você é entendido,  tá ligado? Abre as penas da nega e coloca a mão na buceta dela. Se estiver molhada, você bota pra fuder. Se não, cospe na mão e coloca a porra da saliva na priquita dela. Depois, só depois, não esquece, é que você mete o pau. Entendeu?

– Capeta, véi, Tu é fuderoso mermo. Bem que a galera disse.

– Nada, depois você precisa aprender outras coisas.

Com essas palavras, terminei a conversa em acordo com um princípio de modéstia intelectual exigido. Mas pensei ainda em acrescentar uma idéia. Uma lei que desvendei e a qual me deu a reputação de cientista e pedagogo. Cientista pelo enunciado. Pedagogo pelo estudo da forma, pelo empreendimento de um aprendizado mais adequado. A lei encontrada por mim? O cu é sempre mais difícil, mas não é impossível não. Foi com essa lei que me formei. Transformei-me em homem de ciência. Se me pergunta como fiz para daí passar para pedagogia, diria com ar cínico: vira o cu, palhaço.

Autocrítica de professor em tom professoral

Nesse diálogo com o pirráia alguns aspectos falhos de minha prática pedagógica paracem, ao olhar de hoje, evidentes. O mais importante deles foi meu pouco tato na hora de aplicar minha tática semi-diretiva de dialogar. Falta de talento para prosa literária, sem dúvida. Por isso é possível notar uma certa indução forçada de minha parte ao dizer o que digo querendo ouvir o que quero para assim responder o que bem quis. Nesse sentido continuo tentando induzir, pois, enuciando meu erros possíveis, tendo, de certa forma, a não querer aceitar outros, talvez encontrados por leitores mais atentos. Atentemos aqui, todos juntos, para o fato de que, em pedagogia, pelo simples fato da centralidade da questão didática, metodológica, o conteúdo perde toda a importância. O que é crucial é que o garoto aprendeu por meios eficazes e (mais eficientes) a sua proveitosa punheta…

Ps: Como o autor é tal qual um pré-socratico morreu sem escritos. O dialogo é na verdade fruto de uma doxografia imprecisa e moderna, oriunda de um disse me disse, de um ouvir daqui escrever ali.

Para descontrair: o cu de Norminha(Fora da norma)

Norminha pediu para Jorge o tapado tirar o dedo. “Jorge, tira o dedo. E quando (re)inserir, faça-o rodar para que eu possa sentir as contraçoes no ventre. E faça devagar, como se fosse um exame de toque retal. Você nao já fez Jorge? Pois entao. Lembre da porra do dedao do médico.” Sem paciência. Estou sem paciência, disse Norma Valadares.”Puta merda Jorge, o cú nao é a zona nao porra.” Sugeriu. ” Vai te fuder porra, nem isso tu sabes fazer direito.” Jorge o zonzo estava zonzo. Nao sabia porque Norminha insistia com aquela idéia de exercicio erótico. Sou uma pessoa pacata, nao gosto dessas coisas, dizia ele aos seus botoes. Ela faz isso para me atormentar.

Eles estavam a 7 anos de casamento. Norminha, que sempre esteve na norma, decidiu por alguma razao querer ter uma vida mais ativa, mais picante. Ela passou a comprar filmes pornográficos e pedir ao seu marido, Jorge o pacato, que olhasse com ela a objetividade daqueles enquadramentos e closes fixos. Ela analisava tudo muito friamente, como se fosse uma legista. Dava pausa para entender posiçoes e nao se conformava com o irrealismo dos gritos espalhafatosos das atrizes. Dizia ela com certa serenidado a Jorge o incrédulo: “com aqueles orgasmos continuos e ineterruptos que duravam horas e horas aquelas mulheres registram apenas o illusion, o efeito de um real desejado.” Realista, ela obrigava Jorge o coitado a produzir coitos como os dos atores dos filmes. Mas nao de maneira ingênua, claro. Ela sabia que esporrar meio litro era impossível na vida real. Entao, como boa cenarísta que era, comprou leite e misturou com açucar e um pouco de àgua. Sexo era aquilo. Ser ejaculada com muito leite com açucar, dizia depois que Jorge o obidiente fazia aquilo que ela madanva.

Um dia Norminha encrecou que queria fazer um “menage à trois”. Jorge o sábio, disse que só queria se a terceira parte fosse outra mulher. Norminha aceitou, cinicamente. Contrataram uma prostituta. Fizeram uma escolha pautada na edificaçao da anatomia feminina. A puta era bonita. Jorge o safado olhou a calça jeans dela colada ao corpo. Viu que a marca da calcinha realçava a poupa da nadega. Ergueu a cabeça para perceber os seios rijos que estendiam como duas peras pontudas uma camiseta de malha, sem mangas. Jorge o sem medo pensou por um segundo que essa história de menage é parecido com suruba, temeu pela continuidade das intensoes de Norminha, sua mulher.

Jorge o sonolento, acordou. Olhou para um lado da cama, viu Norminha, sua esposa. Do outro lado, a linda meretriz dormia.

Jorge era professor primário e até o terceiro ano de casamento nao conversava com Norminha, sua mulher. Norminha, mulher de Jorge o seu marido, amava-o muito e sempre quis ama-lo como homem. Norminha e Jorge alugaram muitos filmes pornor e fizemos muitas coisas mais. Jorge dava aulas na escola para crianças e adolescentes e era casado com Norminha. Norminha, cansada de tanta coisa, era dona de casa, e, casada com Jorge o marido dela, pediu para que o mesmo lhe enfiasse o dedo no cú.

Moral da estória: saiu pela perna do pato, quem quiser que conte de quatro.

Recife de dentro pra fora

Chegar na França é como apagar todas as luzes da casa, pegar a lanterna de bolso do Drummond, andar pelos corredores, quartos, salas e, sem medo, quase por prazer, fazer a experiência da luz errante.

Daqui o Recife real parece-me um acaso do meu olhar estranho(chame-o de luz se quiser), ora triste ora contente, porém sempre modelado pelo alcance de uma recordação. Ao iluminar apenas seções, nunca por inteiro, as dores, os abraços, as alegrias de tantos e em muitos lugares, ele modela pelo limite o ‘visível’ e enquadra a realidade possível. O Recife daqui é focado por uma lanterna doida e triste chamada memória.

Mas o que é o real, perguntava o poeta, senão o acaso da iluminação? Minha resposta, contraria o ímpeto da poética da lanterna Drummondiana. Eu insisto em ser realista. Parece-me óbvia a existência de uma dor em si, não dependente de qualquer claridade subjetiva. Posso dar exemplos disso.

Como no reencontro com dona Iracema, lá na UR-6. Encontrei-a lá onde minha memória a havia deixado. Mesmo bairro, mesma casa. As dores pareciam ser menores no passado. Ou talvez fosse a minha lanterninha de criança pouco capaz de focar e clarear tais regiões pouco físicas do espaço humano. Mas lá estava ela, lá na mesma residência.

-Dona Iracema, o que houve com a senhora? Como vão as coisas?

-Meu filho, quanto tempo. Quanto tempo, não é mesmo? Estou aqui assim, com essa perna assim, meu filho, acabada, sem poder andar.

-O que aconteceu com sua perna dona Iracema? Meu Deus!

-Fui operada três vezes meu filho. O médico errou, a perna está solta, a peça metálica incomoda. Outra equipe médica já indicou a besteira que me fizeram. Minha perna não tem jeito. Meu filho, Clayton, me abandonou. Não tenho dinheiro para as dispesas. Não tenho. São muitos os remédios. Muitas as dores.

Nesse momento minha luzinha interna começou a funcionar. Lembrei de Clayton. Brincavamos juntos escorregando no beco coberto de lôdo ao lado da casa dele. Como aquela criança, hoje oficial da aeronautica, veio a ser um homem que deixa sua própria mãe se acabar daquele jeito? Imaginei possíveis brigas entre ele e a ela. Talvez uma briga enorme pudesse justificar uma tal situação. Julgo que não. A força que movia minha luz se tornou mais forte. Lembrei das peladas com outros amigos. Outras crianças. Sim. Crianças. Hoje, elas são outra coisa. Ou simplesmente não são. A conversa com Vandinho foi assim:

-Porra bicho, quanto tempo. Pai, olha Paulinho. Lembra dele?

-Muito tempo mesmo. Já tens duas filhas! Porra, e grandes desse jeito! Estamos ficando velhos.

-Pois é Paulinho. As duas são minha vida. Minha e de Claudinha.

Ao ouvir falar de Claudinha me veio a mente o nome do irmão dela, Quênio. Eu tive notícias dele por um outro amigo, mas não lembrava bem quais. Aí perguntei:

-E Quênio, o que aconteceu com ele? (Nesse momento Claudinha não estava por perto).

-(Chamando-me um pouco para o lado, mudando o tom da voz e olhando como se estivesse desconfiado, descreveu ) – Paulinho, apagaram o cara. Mas o bicho tava foda. Ninguém segurava ele. Claudinha gostava muito dele, mas ele tava foda. Todo mundo queria o gogó dele. Ele tentou matar um capitão da polícia aí. Aí já viu. Ele estava já na entrada da casa dele quando pegaram. Ele tentou fugir, mas acertaram a perna dele. Depois pegaram e acertaram por trás da cabeça, o tiro saiu pelo olho. Ficaram ainda atirando para cima, para comemorar…

Vandinho contava e eu ficava a tentar imaginar o sofrimento da família de Quênio, do de Claudinha, a irmã que tanto o amava. Eu joguei bola com Quênio. Eramos crianças. Naquele mesmo lugar, com aquelas mesmas pessoas.

Drumomnd usava a lanterna dele para dar um mergulho no divino. Dizia ele fazer isso até que um dia cansasse e quisesse inventar uma outra dinvindade. Eu, menos poeta, e talvez por isso menos poderoso, gostaria apenas de esconder as pilhas, para não sofrer com minha luz iluminadora de morbidos inexplicáveis.

Se meu olhar relativisa a dor, se ele é apenas um olhar, difícil é ainda dizer relativo o sofrimento de dona Iracema, daquela perna enferma, da agonia de não ser ajudada pelo filho.Quem dera poder tirar a pilha, esconder-me da dor de Claudinha…

Apaguem todas as luzes antes de dormir. Apaguem. Claudinha, duma bem e com os anjos.

Jampa.

Relembrando para recomeçar

Depois de alguns meses fora do ar esse blogue vai recomeçar. Vou manter o mesmo intento de ínicio e por isso recordo com vocês:

Aqui farei meu diário quase intimo. Mentirei quando preciso. Escreverei em português e, mal ou bem, seguirei com certa coerência as ocilações do espirito, carater e gosto. Desprovido de inteligência precisa, justa será apenas o nome da medida que busca o razoavel no dito. Esperançoso. Jovem gasto, figura preguiçosa e de melancolia tropical sem substância. Porém, como já exprimido em primeiro adjetivo, qualificado e classificado na etiqueta quixotesca. Com Dulceneas e figuras estranhas o “oxymore” pode ser visto como ode a uma máxima de realismo outro do de Cervantes: “bien écrire le médiocre”, dizia Flaubert. Mediocres serão meus dizeres. Bem ditos, duvido. Por isso convenho: os grandes nomes citados não devem causar efeito de legitimação. E previno: o estilo do autor das linhas prometidas é tosco, complicado e chato. O importante é misturar minha miséria com outras. Assim o bem dito será o nome de uma vontade de partilhar uma condição e não o da sutileza formal. A bem dizer, aqui findo com minha introdução.

Lembrança curta, para memória de pernilongos. Então está dito e feito: o espaço para tensão da, na e para escrita está de volta.