Impressões da LASA 2012- Revisitando o método crítico de Antonio Candido

Seguindo a tradição de relatos das minhas impressões dos congressos que participo, gostaria de trazer algumas palavras sobre o LASA 2012. Nele apresentei trabalho numa mesa intitulada Revisitando o método crítico de Antonio Candido. Para quem quiser dar uma olhada no meu paper: aqui .
Dessa vez, por uma série de razões, a narrativa não vai ser totalmente como nas outras ocasiões. Não tive paciência em ficar observando mais detidamente o ambiente, as pessoas, os colegas. Por alguma motivo sentimental, talvez o fato de me sentir mais distante do ambiente de produção acadêmica desautorizou-me, desmotivou-me a fazer minha “tradicional” fofoca sociológica.  Se por um lado percebi que, como fizera no Rio no Congresso da SBS, as relações das pessoas continuam a esconder lógicas de poder não explícitas; se por esse mesmo lado, como observei a respeito de uma ANPOCS, a sociabilidade entre os intelectuais denotam aspectos dessas relações inscritas nas instituições de ensino pelo Brasil ; se sempre tentei captar a dor de uns, a boa supresa e alegria de outro, nesse LASA, por outro lado, não quis me dar o trabalho de traduzir essas impressões de maneira mais organizada.  Era um momento de volta depois de quase dois anos passados da defesa da tese. Era um momento de rever um saudoso amigo. Era um momento de apresentar um trabalho. Simples assim.
 Mas, fala sério! Vocês acreditaram em mim?  Como  posso resistir a um olharzinho descritivo que diz mais sobre o teatro valioso e vaidoso de um mundo tão importante (e também em certo sentido impotente) quanto o da produção acadêmica das humanidades? Então lá vai, fococa em nós:
 Do lado de cá da mesa, três jovens pesquisadores: eu, Alfredo Cesar Melo e  Marcelo Moreschi. Do lado de lá, Luiza Franco Moreira, Maria Betania Amoroso e Pedro Meira Monteiro.  Jogo duro nas disparidades de geração, legitimidade e forma de apreciar o legado da obra de Antonio Candido. Tanto do ponto de vista dos trabalhos apresentados, como do debate que surgiu após as apresentações, esse desequilíbrio se mostrou bastante frutífero e produtivo. A tensão – que foi lida como uma espécie de encenação pelo Pedro Meira – traduziu-se de forma interessante no diálogo e na relação qualificada e divergente entre o público e o foco que movia os expositores.  O que foi ótimo e raro nesse tipo de encontro acadêmico, geralmente tão avesso às discussões mais polêmicas e delicadas. Ora, Candido é uma peça central de nosso universo intelectual no que tange à literatura. Tratá-lo como mortal, com seus erros e inconsistências, com suas idas e vindas, pode parecer ser um destrato e um desrespeito para alguns.  Para nós esse tratamento pode ser visto e encarado com os olhos da correção intelectual. Ele pode ser tido, nesse sentido, como uma prova de carinho das mais íntimas e sinceras que podem existir para com uma obra e seu autor. Fazer com Candido, o que o próprio fez com seus predecessores – uma crítica aguda, mas respeitosa  e criadora, producente do novo na percepção dos limites dos esforços anteriores – é o mérito maior de um empreendimento intelectual que vise produção de conhecimento com respeito e dignidade intelectuais. Se foi bem feito ou não, esse deve ser o mérito do debate. Nunca se Candido é ou não passível de crítica.
 Os trabalhos trouxeram, porém, em seus argumentos, certo embaraço às expectativas do público.  O tipo de leitura crítica à obra de Antonio Candido presente em cada trabalho atribuía a ideia de “revisitar”, contida no título da mesa, uma dimensão crítica inesperada.  Na medida em que cada um dos participantes, por recursos analíticos bem distintos entre si, tecia uma homenagem bem específica ao valor do autor e obra estudados, mostrava-se (ao público), por meio dos trabalhos, os limites e não-ditos presentes em diferentes aspectos da obra de Candido. A impressão de surpresa diante dessa abordagem alimentou, em segundo momento, o bom espírito do debate.
Na narrativa vibrante de Cesar, primeiro a apresentar, vi na relação entre Roberto Schwarz e Antonio Candido a qual seu trabalho se referia, uma análise dos não-ditos, dos silêncios que ocultam discordâncias exemplares e sempre implícitas separando ou ajustando em afinidade as visões de literatura em ambos. Tais elementos, em sua trama argumentativa, revelavam ou davam relevo a algumas facetas pouco estudadas da obra de Candido – como, por exemplo, sua forma humanística e universalista de tratar a obra de Machado de Assis, que era, diga-se de passagem, o oposto do trabalho que o Schwarz se empenhou a fazer sobre o Bruxo, sob influência do próprio Candido.  O paper – por evidenciar e se perguntar as razões tácitas de certas omissões- soou como um soco sem preocupação de uso de luvas de boxe, um direto de direita com punho fechado e nu,  sem esquiva de adversário que quisesse entronar Candido em algum pedestal sobre-humano e aprioristicamente superior. A cada frase, a cada pergunta, uma proposta subjacente tomava corpo: por que não aceitar o convite para voltar a Candido com olhos de menos devoção e mais de apropriação crítica de seus trabalhos? A aposta, apenas dita nas entrelinhas, é que a admiração não diminui com a mundanização das qualidades intelectuais do célebre crítico da USP.
A apresentação de Marcelo, na íntegra aqui, também tinha um teor crítico de tom talvez ainda mais incisivo que a de Cesar.  Nela, ele defende a polêmica tese segundo a qual em seu incontornável Formação da Literatura Brasileira, Candido estava ao contrário de fazer apenas um “estudo de obras” focando na formulação de uma teoria da literatura brasileira. As implicações de tal leitura são imensas quando pensamos nos aspectos mais fortemente normativos da influência da proposta crítica de Candido para literatura brasileira. Para citar apenas uma – que em meu trabalho aparece de forma diferente, contudo complementar – chamaria a atenção para como o procedimento de afirmação do trabalho propriamente normativo da crítica (a avaliação a partir do gosto) organiza as hierarquias disciplinares entre sociologia da literatura e crítica literária de veio sociológico no trabalho de Candido, em Literatura e Sociedade, por exemplo.
A reação aos três trabalhos tiveram focos diferentes. Houve de questões mais gerais do tipo: falar assim de Candido, não seria tirá-lo do lugar privilegiado em que ele está estruturando toda uma forma de pensar nosso mundo literário, as obras?  Até às mais específicas como: por que você disse que o ministro da cultura de Vargas, o Capanema, havia sido co-responsável pela prisão de Graciliano Ramos, preso durante seu governo?
Resumo da minha impressão sobre as reações (Freud explica para um lado e para o outro): a meu ver as perguntas falavam menos dos nossos argumentos e mais da resistência ao que eles revelavam.  É isso.