Livro publicado em 2005 na frança, ainda sem tradução em português, L’esprit sociologique pode ser considerado um livro de política sociológica no bom sentido do termo. O livro trata de questões práticas de pesquisa, debatendo – a partir de reflexões elaboradas em cima de interpretações sociológicas realizadas em dados de natureza diferentes (entrevistas, documentos escritos, dados quantitativos, observações) -, as condições práticas da incorporação e apredizado do espírito sociológico.
Diria que o livro é político por duas razões. A primeira delas é por conta da própria filiação crítica da obra: o texto corresponde à defesa explícita de um tipo de sociologia bem específico. A obra é uma espécie de esforço de reafirmação dos princípios minimamente científicos da sociologia. Uma obra de metodologia com forte veio espistemológico: a defesa da sociologia como ciência empírica do mundo social. Ao refletir sobre as práticas que fundam a construção da robustez do raciocínio sociológico, Lahire confere pela defesa dessas práticas, uma visão que visa normatizar o fazer sociológico delimitando o campo do que é e não é sociologia. A segunda razão, talvez o motivo pelo qual se lê o tom severamente sarcástico do trabalho, é uma resposta voluntária aos abusos dos prodígios e vertigem do uso da analogia na sociologia. Para ser mais preciso, eu diria que o livro pode ser lido de forma bem mais delimitada, como uma refutação cabal dos argumentos que refenrenciam o caso mais extremado desses abusos até hoje registrado: o caso Elisabeth Tessier. Tanto é assim, que um dos melhores capítulos do livro, melhor também pelo humor ácido gerado pelas análises debochadas de Lahire, é o intitulado ” Uma astróloga no planeta dos sociólogos: ou como se tornar doutor em sociologia sem possuir o ofício (métier) de sociólogo?” (tradução livre minha)
Uma palinha para vocês (tradução minha):
“A primeira característica notável dessa tese é a ausência de distanciamento em relação à astrologia. Descobrimos nela numerosos comentários astrológicos sobre as pessoas, eventos, épocas. Por exemplo, sob o título ” Aplicações do método astrológico: análise do céu natal de André Malraux, as páginas 120 à 131 da tese revelam claramente uma “análise astrológica” do destino do escritor e antigo ministro (” plutoniano bem tingido”). Max Weber é qualificado de ” Touro Pragmático” (p.38) e “apredemos” diversamente que G. Simmel é “Peixe”, que W. Dilthey é “Escorpião”, que o psicólogo C. G. Jung é “Leão” (p.250), que o ex-executivo de Antenne 2 é, Marcel Jullian, é “Aquário”, e assim sucessivamente. A cada momento, a autora nos proporciona uma análise que mete em correpondência o “céu natal” da personalidade e seu pensamento[…]”
Lahire não perde o fio que o conduz à organização de seu livro. Nem mesmo ao escrever um capítulo mais político, como o acima mencionada. Pelo contrário. Na verdade, o objetivo da argumentação foi justamente o de desmontar a tese da astróloga como forma de acentuar os possíveis erros que qualquer sociólogo pode vez por outra cometer. Com isso ele consegue afirmar de maneira didática as posturas defendidas por ele durante todo o livro como sendo próprias ao espírito sociológico. Ao execrar, exemplo por exemplo, as falhas da tese – ao operar o sarcasmo pela exposição debochada do absurdo – , Lahire se ampara em recurso argumentativo de impressionante poder fogo: a afirmação descritiva das propriedades específicas das práticas de pesquisa sociológica (o espírito sociológico nada mais é do que a incorporação e apropriação inteligente dessas práticas) pela negação expositiva da ausência dessas práticas numa tese que pode ser lida como erro exemplar. O recado é bem claro: uma boa maneira de aprender/ensinar sociologia é pranticando a perquisa rigorosa. Ideia antiga, porém atual, na qual o conhecimento progride com o reconhecimento de seus próprios erros. Por essas epor outras, vale demais a leitura.