#OcupeEstelita, #ResisteEstelita: a (re)significação constante do Direitos Urbanos (e do Cais)

Foto de Sofia Lucchesi (via TL FaceBook de Claudio Tavares)

 

O movimento de ocupação do Cais José Estelita é um sucesso. Num lugar antes desconhecido da grande maioria, um sonho se realiza ao menos em experimento: um imenso espaço perdido há anos no discurso do abandono, uma vastidão impensada, ganha, na prática dos ocupantes de simplesmente ocupar, o sentido que ele sempre poderia ter tido: o de ser o espaço de confluência de todos os cantos da cidade ao receber, acolher e misturar as pessoas. Um lugar que antes era apenas o atrás do muro e dos galpões, o espaço abandonado, de ninguém, passa ser um experimento simbólico, mas real e palpável, do seu potencial embutido, agora ainda esgaçado pela ameaça da ganância dos interesses privados tragicamente mancomunados com o poder público.

Incrível perceber de onde vem a real vitória da ocupação aos meus olhos. Chegar nesse verdadeiro acampamento urbano é emocionante. Ao sair de uma avenida de passagem de carros, entrar numa ruela esquisita entre um viaduto e um muro imenso, você encontra uma passagem de acesso criada pelos próprios manifestantes. Os jovens realizam um trabalho imenso de limpeza, capinação e arrumação para produção de uma ocupação coletiva do espaço. Cuidado que há anos o lugar não recebia, nem mesmo dos que agora se reivindicam, mal ou bem, novos proprietários do local. A avidez burra pelo dinheiro cega e não traz luz ao essencial.

Apropriação simbólica do que antes era o não lugar de e para todos  vai, aos poucos, por conta da efetividade do ato de ocupar aquele espaço, criando de forma mais plena e concreta, a sensação de acerto político na luta pelo lugar: o Cais José Estelita não pode ser mais um projeto que apenas segregue a cidade dela mesma. Ao ver as pessoas dentro dele, a sensação é a seguinte: o lugar pede a alegria não só daquelas pessoas – que  a experimentam como forma de ilustrar que sim, é possível superar aquele abandono pelo qual tentam justificar a construção de um projeto feio e não preocupado com a cidade- mas da metrópole inteira, visto a vastidão do lugar, sedenta, por espaços públicos integradores e de muita qualidade urbana.

A sensação já existia nos outros Ocupes que aconteceram antes desse, todos do lado de fora do terreno. Porém, nos anteriores esse potencial escondido não apenas pelo muro,  não aparecia tanto. Talvez o jeito de ocupar e sair não explicitava, como agora o faz, a capacidade misturadora e integradora do lugar. Seu principal defeito, ser um não lugar, um lugar de ninguém para ninguém, transforma-se através da ocupação, em condição de possibilidade efetiva de sua existência como algo para todos, um espaço público. Não só, repito, um lugar para ser usufruído por um pequeno grupo que possa investir milhões num apartamento de luxo. O ocupar permanente transpira essa informação do potencial característico do Cais pelos poros, produz essa consciência de lugar público na prática. Lindo demais.

 

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Mas tem outro ponto importante de (re)significação da ocupação que me salta aos olhos: o oxigênio renovado que ela traz  ao grupo Direitos Urbanos.  Todo grupo que atua junto por muito tempo, pela dinâmica mesma de convívio e atuação, de  experiência de acerto e erro prolongada no tempo, cria para si, através da percepção de seus membros, rotinas e formas de tentar evitar os erros já cometidos e repetir acertos produzidos. Esse fato, de forma quase imperceptível, cria uma película de cuidados, o senso de preocupação que muitas vezes inibe a ação mais ousada, fazendo com que em muitos momentos, os recuos pareçam ser atitudes de precaução e cuidado com o já construído.

Ora, no Direitos Urbanos, pela sua informalidade e dinâmica, produz algo que me impressiona: o impacto pedagógico da ingenuidade sempre renovada pelos novos integrantes,  refaz permanentemente o quase miraculoso gesto político de transformar  defeito em qualidade.

Na noite em que fomos acionados pelo site do grupo no FaceBook para averiguar o início da derrubada dos galpões, a ideia de que ocupar poderia ser um erro ainda pairava pelo ar. Pegava-me reflexões sobre floppagens de Ocupes e necessidade de acertar na estratégia política. Aí você vê os mais novos membros, não necessariamente mais jovens, pegando à frente da coisa, motivados por uma força interior parecida com a que existia no primeiro Ocupe antes de sua realização, e começa a entender que fazer o impossível tem a ver com essa renovação constante, sem medo de errar, porque ainda fresquinha o suficiente para abrir mão do risco em detrimento das coisa já aparentemente estabelecidas. Que coisa linda! Que grupo com algum tipo de formalização mais rígida permitiria esse tipo de ousadia?

O bonito é ver que do encontro da prudência cuidadosa com a ousadia que não prescinde do cuidado – as assembleias e conversas sem fim no acampamento são tão lindas quanto o trabalho de apropriação simbólica do lugar- o Direitos Urbanos se fortalece. E se fortalece na prática, porque é na ocupação que ele realiza aquilo que seu propósito vislumbra: criar espaços públicos urbanos reais de mistura e uso público.

Hoje meu coração e mente resistem ao caos da cidade do Recife graças ao Direitos Urbanos. Continuo amando meu lugar graças ao grupo. Domingo, 25 maio, vou me arrumando para ir ao #OcupeEstelita. O #ResisteEstelita é uma esperança real. Vida longa ao Direitos Urbanos, alma e vida da resistência efetiva da cidade.

3 pensamentos sobre “#OcupeEstelita, #ResisteEstelita: a (re)significação constante do Direitos Urbanos (e do Cais)

  1. Pingback: Para se informar: coleção de posts sobre o #ocupeestelita | Loco por ti (reboot)

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  3. Temos que resistir. Essa frase que parece banal, nunca foi tão importante, nesse momento, para a cidade do Recife. Lutar contra vândalos encasacados que, em nome da ganancia pretendem enfeiar e obstruir a cidade com uma ocupação horrorosa da qual, nem têm a menor vergonha, passou a ser um objetivo das pessoas de bem, pois o alvo deles é somente um: o lucro. Comenta-se que, pessoas que se intitulam responsáveis pela cidade compactuam, desavergonhadamente, com os citados vândalos. Um cunho moral, inusitado, acaba entrando em cena posto que, a corrupção dos políticos, que virou principal protesto do povo nas manifestações de rua, está aparecendo nessa estória feia. Os desdobramentos do “Ocupe Estelita” vão acabar chamando a atenção do país, até pela onipresente corrupção política.

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